I Conferência Cuidar em Humanitude - Gastronomia Holística® e dieta ética

Sabine Soubielle (Tradução Nídia Salgueiro) 28 de Julho de 2015

Gastronomia Holística® e dieta-ética (documento original em Francês)

Sabine Soubielle, enfermeira, formadora, diretora do Instituto Gineste-Marescotti Restauração.

«O prazer da mesa é de todas as idades, de todas as condições, de todos os países e de todos os dias» (A.Brillat-Savarin).

RESUMO
As últimas constatações, no que concerne ao estatuto nutricional dos grandes idosos em situação de dependência, são preocupantes. As últimas recomendações convidam os profissionais dos estabelecimentos de acolhimento a promover uma alimentação-prazer que responda aos desejos dos utentes quaisquer que sejam as suas idades e as suas dificuldades.
No entanto, a desnutrição não é só uma questão de alimentos. Com o conceito de Gastronomia Holística® e em ligação com a Filosofia de Humanitude®, convido-vos a descobrir uma visão original da restauração e do prazer em torno da mesa, em colectividade.

Palavras-chave: Gastronomia Holística; Dieta-ética; Prazer; Os 6 A; Refeição personalizada prescrita; Humanitude; Restauração

Nas instituições, um número importante de idosos em situação de dependência estão desnutridos.
Porque razão as pessoas acolhidas continuam a sofrer de desnutrição, apesar dos esforços dos profissionais da alimentação e da nutrição que agem em prevenção, vigilância e actuação?
Proponho uma abordagem diferente, a Gastronomia Holística®, que deu as suas provas nos estabelecimentos que implementaram a Filosofia da Humanitude® o que permite a quase supressão da desnutrição.
O acto de comer é muitas vezes reduzido a «prótidos, glúcidos, lípidos, calorias». E se falarmos do PRAZER? Comer é uma necessidade vital; este acto é, com razão, classificado nas necessidades fundamentais, sem as quais não se pode passar, inerentes a todo o ser vivo, vegetal, animal ou humano. Trata-se, por este acto banal, repetido várias vezes ao dia, de ingerir o que não se pode produzir e tirar disso os benefícios esperados para as funções vitais, a saúde física e psíquica, ao longo de toda a vida.
Contudo a alimentação do humano é específica pelo prazer de comer nas dimensões afectiva, organizacional, social e simbólica. O prazer é uma emoção necessária à realização deste acto, e sabemos agora que a evolução colocou no nosso cérebro regiões cujo papel é de «recompensar» a execução das funções vitais por uma sensação agradável.
A busca hedónica não é, portanto, uma palavra vã, é uma realidade fisiológica, o Homem é um gastrónomo.

Este ato fundamental, portador da identidade pessoal na identidade colectiva, é também sinónimo de alteridade e de convivialidade pela oferenda e pelo prazer partilhado.

A refeição é uma das expressões das ligações/laços de Humanitude.
Quem são os idosos, dependentes, por vezes desorientados, acolhidos nos estabelecimentos?
É preciso acabar com a ideia de que a velhice é causa de desnutrição. A fragilidade dos grande idosos leva-os, por vezes, à dependência, a qual os expõe ao risco de desnutrição, que, por seu turno, agravará a dependência e depois a desnutrição, numa espiral bem conhecida.

A gastronomia holística propõe uma gestão da dependência no sector da alimentação. O seu objectivo inicial é produzir desejo e prazer, “fazer crescer água na boca”, fazer salivar os consumidores.
Sabemos que a nutrição melhora quando a qualidade da restauração respeita três eixos principais, que são: os alimentos, o ambiente próximo dos alimentos, o ambiente geral da refeição.
• Melhorar os alimentos e satisfazer os gostos de cada um, trabalhando as receitas, a escolha e a qualidade dos produtos: a cozinha colectiva é submetida a constrangimentos, contudo os produtos autênticos podem ser cozinhados, respeitando as regras de higiene inerentes à produção (só raramente se vêem ovos inteiros na cozinha, o que limita as propostas de pratos muito apreciados e muito interessantes sob o ponto de vista nutricional…).
A apresentação da refeição no prato, as cores, os cheiros, a textura e o aspecto são outros tantos critérios a explorar para tornar apetecível a alimentação.
• O segundo eixo mostra-nos a importância do ambiente próximo dos alimentos:
- O ordenamento lógico (os pratos serão servidos numa cronologia cultural e esperada: entrada, prato principal, sobremesa), a uma temperatura adequada;
- Uma apresentação cuidada e facilitadora. Tal dá prazer e competência. Diz respeito à loiça, os pratos (quem aceitará comer todos os dias num prato de plástico?), o talher (facas que cortem), os vidros e a roupa de mesa (toalhas, guardanapos…) que proporcionem conforto e prazer visual.
• O terceiro eixo diz respeito ao ambiente geral da refeição: os locais de restauração devem ser estudados em todas as suas componentes: tamanho, situação no estabelecimento, mobiliário adequado, iluminação suficiente, ambiência sonora estudada, assentos confortáveis. Mas o serviço tem também muita importância: profissionalismo do pessoal de serviço, a possibilidade de tomar as suas refeições com pessoas acompanhantes, visitantes, mas sobretudo a disponibilidade e amabilidade são qualidades muito esperadas.
A qualidade do acompanhamento em restauração é extremamente dependente das organizações e da filosofia de cuidado do estabelecimento. Sabemos que alimentar pessoas muitas vezes em grandes dificuldades, de forma colectiva e tendo em conta gostos e ritmos de cada um, por vezes com orçamentos limitados, com equipas com formação e culturas diferentes, submetidas a regras, que quantas vezes se opõem, é extremamente complexo.

É por isso que chamámos à nossa abordagem da restauração «Gastronomia Holística»
Ela assenta numa análise gastronómica sistémica, ou seja numa visão holística, e propõe uma outra percepção da refeição para todos os actores institucionais. Para identificar e colocar em ligação e interacção todos os sistemas e seus valores de referência, no local de vida, a gastronomia holística propõe um processo de trabalho numa abordagem de seis sistemas identificados, os 6 A:
- A Arte utilizada : uma filosofia de cuidado que dê as orientações e fixe o quadro de acompanhamento, a Filosofia da Humanitude®.
Não só a dietética mas uma dieta ética que permita a adequação necessária entre valores de referência (os esperados num meio de vida), os valores expressos (pelos clientes de cuidado) e os valores produzidos (por todos os profissionais).
- Os Alimentos : um conhecimento da matéria e regras nutricionais para os idosos e grandes idosos. Tudo o que diz respeito à própria refeição: a sua representação para cada pessoa, os conhecimentos nutricionais, o plano alimentar, as modificações de texturas (indicação, mestria), os regimes (ou não) e as recomendações.
- Os Acessórios : As compras dos produtos e a sua preparação, o conhecimento, para cada profissional, dos tipos de serviços hoteleiros propostos, as normas utilizadas e a legislação em vigor.
- A Alma : os locais dedicados à refeição, conforto e sonorização estudados e adaptados ao prazer e ao bem-estar e, opções inovadoras, como o Self-serviço ou o serviço como no restaurante, ou mesmo como em casa, os pequenos-almoços dos hotéis…
- Os Idosos: gastrónomos particulares, frágeis e, por vezes, vulneráveis, mesmo desorientados, que é necessário conhecê-los para melhor os acompanhar e satisfazer.
- Os Artesãos: se é necessário que os profissionais sejam formados sobre a desnutrição, o seu despiste e as suas consequências, é preciso ampliar os seus conhecimentos sobre as patologias do envelhecimento, as razões que levam uma pessoa a deixar de se alimentar, e desenvolver a sua capacidade para analisar e propor soluções que serão sempre individualizadas: é ilusório esperar resolver um problema de desnutrição sem uma abordagem personalizada, porque há sempre um «porquê» e «como» implementar. Uma refeição personalizada prescrita obriga a avaliar, a coordenar o trabalho entre os postos activos no espaço/tempo de restauração: cozinha, hotelaria, cuidados, manutenção, animação, administração. Este trabalho de criação de ligações transversais entre as equipas necessita duma implicação total do estabelecimento e desembocará em propostas originais, adaptadas a cada pessoa e postas em funcionamento em cada posto de trabalho; técnicas inovadoras como o comer com as mãos para pessoas que apresentam perturbações práxicas ou que sofrem de agnosia, refeições misturadas/trituradas apetecíveis [que despertem o apetite] e «parecidas/semelhantes», graças a saberes-fazer recentes, aos alimentos originais. Ritmos particularmente estudados, com prestações da hotelaria restauração nas regras de arte do serviço e com horários de grande amplitude.
A Gastronomia Holística assim como o conceito de dieta-ética, através da abordagem dos 6 A, propõe uma visão ética da refeição e ferramentas/instrumentos profissionais que permitem lutar contra a desnutrição.
Graças a esta abordagem, pensamos poder fazer baixar a desnutrição, e mesmo fazê-la desaparecer.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÀFICAS
1. Ferry M., Alix E.(2012). La nutrition de la personne âgée, Edition Masson.

2. Enquête «aupalesens », Inra de Dijon, 2009-2013

3. Gineste Y., Pellissier J. (2007). Humanitude, Comprendre la vieillesse, prendre soin des Hommes vieux. Paris. Armand Colin, Editora.

4. Gineste Y., Pellissier J. (2008). Humanitude, Cuidar e Compreender a Velhice. Lisboa: Instituto Piaget, Piaget Editora.

5. Maladie d’Alzheimer - comprendre pour aider au quotidien – les réponses de l’Humanitude, DVD

6. Crône P. (2009). L’animation des personnes âgées en institution. Edition Masson,

7. Brillat -Savarin A.(2009). Physiologie du goût. Flammarion.

8. Rio C., Jeannier C., Lejeune H. (2011). Alimentation et Alzheimer: s’adapter au quotidien. Guide pratique à l’usage des aidants à domicile et en institution, Edition EHESP.

9. Avis sur les besoins alimentaires des personnes âgées et leurs contraintes spécifiques. Conseil National de l’Alimentation. Avis n°53 –12/2005

10. PNNS : www.mangerbouger.fr/pnns/

11. PNA : www.alimentation.gouv.fr/pna/5


Sabine Soubielle (Tradução Nídia Salgueiro)
28 de Julho de 2015

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