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Professora da ESEnfC Marília Flora publicou 'A Casa da Avó Porquinha'

“ENSINAMOS ATRAVÉS DAS HISTÓRIAS
QUE NARRAMOS"



A professora da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Marília Flora, é autora do recém-publicado livro infantil A Casa da Avó Porquinha, editado pela Cordel D’ Prata. Uma obra com a única pretensão «de nos transportar para um lugar de amor e de transformação», conta-nos. Sobre se o facto de ser enfermeira de pediatria a influenciou para entrar no mundo da escrita, diz-nos que, quando se iniciou na área da saúde dos mais pequenos, a “inexperiência” e o seu “ar de miúda” não facilitaram o processo. Mas brincava com as crianças – brincar é uma intervenção de enfermagem – e «contava histórias, entre antibióticos, cateteres e agulhas». O que, garante, «fazia a diferença no cuidado». Esta é uma pequena entrevista (por correio eletrónico) com a docente da Unidade Científico-Pedagógica de Enfermagem de Saúde da Criança e do Adolescente e, agora, escritora.

 
Como surge este projeto de escrita para o público infantil?
A minha infância foi passada na casa da avó, mas também na biblioteca. A biblioteca da vila onde eu morava era no edifício do majestoso solar dos Condes de Marialva. Lembro-ma da sua imponência, do cheiro e de como me sentia livre quando lia.
Aprendi nos livros a arte das palavras, da literatura e da escrita. Ler fez de mim muito do que sou.
No início da minha adolescência já tinha lido as grandes obras da literatura portuguesa: Eça de Queirós, Júlio Dinis, Camilo Castelo Branco, mais tarde Florbela Espanca…. Cresci num ambiente de enorme estímulo literário, que me levava para um Mundo muito distante e isso teve um efeito muito marcante na minha infância e adolescência.
Por outro lado, a casa da avó era sempre o lugar dos afetos, a avó era a minha pessoa. A casa da avó era onde me sentia acolhida e incondicionalmente amada.  
Mais tarde, comecei a escrever (para mim) numa perspetiva de libertação. “Brincar com as palavras” era a minha atividade favorita.
A minha vida cruza-se com a enfermagem, em particular da criança e da família, e com a maternidade. Estes dois elementos foram muito determinantes na escolha de um público-alvo.
Quando A Casa da Avó Porquinha nasceu, estávamos em plena pandemia, o isolamento, o afastamento e a natureza a florescer eram a antítese de um Mundo normal. Era preciso recuperar os abraços, os mimos e os afetos. Foi assim que nasceu esta narrativa, sem a pretensão de nada, além de nos transportar para um lugar de Amor e de transformação.
Nunca tinha tido coragem de dar a ler as minhas histórias… Um dia resolvi enviar para uma editora e fui convidada a publicar.  

Refere a Cordel D' Prata que «ser enfermeira de pediatria» lhe permitiu «entrar no mundo da criança, transformando a dor e o sofrimento com a magia das histórias». A Enfermagem de Saúde da Criança e do Adolescente foi decisiva para dar este passo?
Entrei para o serviço de pediatria do Hospital Distrital da Figueira da Foz ainda recém-licenciada. Numa área de tanta especificidade como a pediatria, a experiência era um dos elementos muito valorizados pelos pais, que acompanhavam a criança durante o internamento. A minha inexperiência e o meu “ar de miúda” não facilitavam o processo. Então decidi usar as ferramentas de que dispunha, “brincar é uma intervenção de enfermagem” assim fui ganhando a confiança das crianças, mas era preciso convencer os pais. Dediquei-me ao estudo. Aprendi a explicar aos pais tudo o que fazia, como e porque fazia e o que fundamentava a minha ação. E a magia foi acontecendo.
Brincava com a criança e recorria a técnicas de imaginação guiada, distração, contava histórias entre antibióticos, cateteres e agulhas.  E isso fazia a diferença no cuidado. Sempre com o rigor de um piloto de avião! Era um “brincar a sério". Encontrar este equilíbrio foi um desafio. Mas assim nasceu em mim a arte de brincar com a criança, cativando-a.

Ler uma boa história – testemunham-no pais, avós e educadores – quase que faz “milagres”. A leitura e a escuta de peças literárias têm também um importante efeito terapêutico?
Considero a transversalidade da obra, para miúdos e graúdos. É uma história para os avós contarem aos netos, os netos aos avós, os pais aos filhos, os filhos aos pais e os professores aos alunos.
Nasci num tempo e num lugar onde a vida era simples, onde o tempo tinha tempo para ser contado e vivido. Às vezes gostava de voltar a esse tempo para me dar tempo de reviver cada momento.
Ler tem um efeito transformador na criança. Ensinamos através das histórias que narramos, criamos laços, desenvolvemos a criatividade… Ler uma história todos os dias, ou parte dela, faz parte da minha rotina diária de adormecer os meus filhos e é um momento que eles valorizam muito. É aquele bocadinho do dia que o telefone não vai tocar, não há e-mails para responder ou outros afazeres domésticos. Aquele momento do dia é só nosso… E é mágico!
Citando Isaac Singer, Nobel da Literatura e autor de Histórias para Crianças: “Na época de hoje, quando a literatura para adultos se deteriora, bons livros infantis são a única esperança, o único refúgio.”

Recupera as personagens da versão escrita de Os três porquinhos, de Joseph Jacobs, e coloca-as numa nova aventura e numa outra história que, porventura, nada terá a ver com o conto tradicional. Pareceu-lhe, em algum momento, uma decisão arriscada?
A Casa da Avó Porquinha é uma conjugação de espaços, personagens e mensagens que nos inspiram.
Às vezes tenho a curiosidade de saber o que aconteceu às personagens que marcaram a nossa infância. O que será feito dos três porquinhos depois da fuga do lobo mau? Reconstruíram as suas casas? Ou ficaram na casa de tijolos?
Assim, dei forma à casa da avó porquinha, àquele lugar mágico de afetos onde há sempre colo, mimos extra, chá quente e uma fatia de bolo. A casa, como plano de abrigo, de aconchego, de proteção. A avó, com destaque para as relações familiares, sendo as avós aquelas que eternizam os doces momentos das nossas memórias de infância. A Porquinha, personagem principal, fazendo aqui alusão aos animais que se assumem como protagonistas do enredo, dando-nos lições de vida e de comportamento.

Em pequena, gostava de ler às escondidas debaixo dos lençóis com a lanterna acesa. Porquê?
No tempo em que eu cresci, não havia “mas…” a suceder à decisão dos pais. Assim, a hora de ir para a cama era, impreterivelmente, a hora de ir para a cama, sem “mas…”.
Ora, às vezes o livro era difícil de fechar, mas a luz ou o candeeiro aceso iriam denunciar-me pelo feixe de luz que trespassaria por debaixo da porta. Ler debaixo dos lençóis com uma lanterna era a forma de preservar a empolgante leitura sem ser denunciada.

 
[2023-06-30]

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