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Dia Mundial da Prematuridade: estudantes da ESEnfC entrevistaram pessoas com diferentes papéis no contexto do nascimento de bebés pré-termo

 

 

Afinal, como é ser prematuro, ou como é viver de perto, enquanto profissional de saúde, ou na qualidade de membro da família, as experiências de alguém que nasceu antes das 37 semanas de gestação?

Estudantes da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC) aceitaram o desafio das docentes da cadeira de opção de Enfermagem Neonatal (disciplina do 3º ano do curso de licenciatura) e, a pretexto do Dia Mundial da Prematuridade (17 de novembro), entrevistaram sete pessoas sobre este tema: três profissionais de uma maternidade de Coimbra (uma enfermeira, uma médica e uma psicóloga), pai e mãe de um prematuro, uma estudante que nasceu prematura e, ainda, a irmã de trigémeas prematuras.

Comecemos, numa ordenação arbitrária, pela irmã das três prematuras.

 

“As minhas irmãs não eram bebés normais”

Com dez anos, e um irmão de 6, aquando do nascimento das pequeninas “manas”, a entrevistada fala das experiências que viveu, do «ambiente silencioso e escuro» da Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais onde estas estiveram internadas, cada qual, muito monitorizada, em sua incubadora.

«A minha mãe tinha-me avisado que as minhas irmãs não eram bebés “normais”, mas não sabia o que ela queria dizer com isso. A grossura das pernas era igual a um dos dedos da mão, parecia que tinham os pés maiores em relação aos restantes membros. Um dos enfermeiros disse que uma das gémeas tinha nascido com 980 gramas e eu não tinha noção do que isso significava. Foi assustador, não lhes toquei com medo de as magoar», relata a irmã mais velha do quinteto.

Impelida a assumir maiores responsabilidade, a irmã mais velha da gémeas recém-nascidas começou a desempenhar tarefas domésticas e a ajudar o irmão nos trabalhos da escola. Já com a família completa em casa, e com os horários das refeições alterados, conta que se dava, naturalmente, maior atenção aos novos membros. Em rigor, «eram precisas três pessoas para as alimentar».

 

Sem ideia da gravidade da situação

Quanto aos pais escolhidos para a entrevista a outro grupo de estudantes, referem que, de início, não tinham conhecimento da «gravidade da situação», que «apresentavam uma visão distorcida» e que «houve um turbilhão de emoções».

Contam os progenitores que, «durante o internamento do prematuro, as maiores dificuldades foram os avanços e recuos no estado do prematuro», que «num dia não necessitava de suporte respiratório e no outro já necessitava».

O «receio de se apegar ao filho», uma vez que «as probabilidades de não sobrevivência eram muito grandes», o «difícil» facto de «um dos pais não ter direito à licença de parentalidade durante o tempo todo», ou a dependência que sentiram dos serviços, após a alta, pois «ainda tinham dúvidas de como proceder em certas situações», foram outros factos referidos por este casal. Que considera que, «ao nível da relação conjugal, existiu um fortalecimento entre os dois».

 

 

Quando o toque no bebé gera ansiedade

E o que dizem os enfermeiros sobre esta realidade? «É essencial permitir a expressão de sentimentos e emoções, demonstrando empatia e referenciar o gabinete de psicologia presente no serviço», refere a profissional de saúde entrevistada, mestre em Enfermagem de Saúde Materna e Obstetrícia.

Para esta enfermeira, «o toque no bebé, que aparenta ser simples, para os pais pode ser um motivo de ansiedade».

Daí que considere caber aos enfermeiros «começar por envolvê-los nos procedimentos mais simples como dar colo, fazer o método canguru, assistir na avaliação da temperatura corporal e mudança da fralda». Para, «posteriormente, quando os pais se tornam mais confiantes, participarem nos posicionamentos, cuidados de higiene, alimentação e, em caso de procedimentos mais invasivos», quando «queiram estar presentes, poderem «auxiliar na contenção dos bebés».

 

Uma médica que não consegue “desligar”

Por sua vez, uma médica neonatalogista refere que «o cuidado ao prematuro» deve ser «centrado mais na família e não só no doente, sendo fundamental que os pais se sintam envolvidos e motivados nos cuidados, mantendo sempre a esperança».

A médica entrevistada revela que, muitas vezes, leva para casa as preocupações com os bebés pré-termo: «Quando saio do serviço e deixo um recém-nascido instável, não consigo “desligar”. Passado umas horas, tenho que ligar aos colegas para me informar da situação clínica».

A outro nível, uma psicóloga clínica considera que «os principais desafios» relacionados com as “vivências da prematuridade” se prendem com «a intervenção em crise, prevenindo traumas». Com «a necessidade frequente de trabalhar processos de luto – não apenas por morte do bebé, mas sobretudo pela perda de expetativas, experiências – e também de intervir e lidar com a incerteza, com condições clínicas voláteis e frequentemente imprevisíveis».

 

 

Comunicar com gentileza e compaixão

Para esta profissional, «os primeiros anos de vida de um bebé prematuro, mesmo com desenvolvimento favorável, são desafiantes, com muitas consultas, maior risco de alguns problemas de saúde, e o fardo da prestação de cuidados, muitas vezes acompanhado de questões sociais e económicas, e da existência de recursos de apoio escassos, podem causar tensão, cansaço e dificultar a comunicação nos casais, aumentando os conflitos».

De acordo com a psicóloga clínica entrevistada, «é importante comunicar com gentileza e, sobretudo, compaixão».

«Grande parte das vezes, quando a mãe está menos presente, isso liga-se a estados de elevada ansiedade e medo, ao receio de prejudicarem os cuidados ao bebé, ou à necessidade de prestar apoio a outros filhos. É muito importante investir na comunicação com a família, conhecer os seus motivos e significados», aconselha.

Sobre as vivências numa unidade de cuidados intensivos neonatais, «das mais difíceis experiências que os pais podem passar», a psicóloga afirma que «um serviço de neonatologia tem dos maiores heróis que podemos encontrar – dos profissionais aos pais e aos bebés, que, sendo pequeninos, dão diariamente exemplos de resistência, tenacidade e tolerância».

 

Curiosidade em "pertencer a este mundo pequenino”

Finalmente, o testemunho de uma prematura que nasceu com 7 meses e 1800 gramas de peso. Sem grande consciência daquilo por que passou, de que tomou conhecimento através de relatos dos pais, uma estudante de Enfermagem pensa não ter sofrido qualquer «impacto por ter sido prematura», ou «complicações decorrentes da prematuridade».

Diz apenas ficar «na dúvida» sobre se a «terapia da fala» a que teve de recorrer, «por dificuldades em “pronunciar” certos sons como “ch” “rr"», tem alguma relação com a prematuridade. E conclui que a escolha da opção de Enfermagem Neonatal teve a ver com a sua condição de ex-prematura: «A neonatologia despertou em mim uma grande curiosidade e interesse em perceber e pertencer a este mundo pequenino».

O trabalho de entrevistas, subordinado ao tema “Vivências da Prematuridade”, e que visou levar os alunos «a sentirem, por parte da família e dos profissionais de saúde, o que é viver a prematuridade», foi coordenado pelas docentes Ana Perdigão, Paula Almeida e Liliana Ferraz, que lecionam a disciplina de Enfermagem Neonatal.

 

[2021-11-17]


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