Muita informação sobre a epidemia do novo coronavírus (Sars-Cov-2) e a forma como podemos contribuir para diminuir os riscos de infeção tem sido divulgada. Conhecido que é o impacto mundial da pandemia, que obrigou a mudar hábitos e modos de relação – distanciamento social –, o que devemos, novos e velhos, estudantes, docentes e não docentes, fazer para gerir a intranquilidade associada ao período que vivemos? Em entrevista à distância, Marília de Castro, psicóloga clínica que colabora com a ESEnfC, no Serviço de Saúde Escolar, dá-nos alguns conselhos. Uma verdadeira consulta a toda a comunidade educativa da Escola.
Marília de Castro usa redes sociais para difundir recomendações da OMS e da Ordem dos Psicólogos Portugueses
Por mais e por muito fiável que seja a informação veiculada, há a sensação de que ela é sempre pouca. Aquilo que era hoje não é bem assim amanhã. Há uma constante incerteza. Como agir?
Sim, é uma situação nova, apesar de já termos passado por epidemias. A pandemia pelo COVID-19 (SARS-CoV2) causa-nos, a todos, um sentimento de “incerteza”. Incerteza acerca desse “inimigo desconhecido”, do qual a cada dia ouvimos uma nova informação sobre a sua perigosidade e sobre o quão próximo ele pode estar, o que causa medo. O medo é uma emoção coerente, numa situação de perigo, e ajuda-nos a seguir as orientações de higiene das mãos e de etiqueta respiratória, de evitação de contacto social. Tem uma função protetora. Entretanto, o medo pode, numa intensidade elevada, tornar-se limitador e prejudicial à saúde mental. Neste caso, aconselho que se recorra às consultas de psicologia. Atendo jovens com os quais estávamos a elaborar projetos de vida, que incluíam participação nas aulas, viagem de férias, intercâmbio (Erasmus), estágio etc., que já não sabem quando poderão retomar e que reajustes precisarão fazer nos seus planos. Como agir? Primeiramente, aceitar que não temos o controle sobre a situação. O que pudermos fazer para manter a rotina, de forma adaptada ao isolamento social, deve ser feito. O que não é possível continuar, devido às restrições da situação atual, fica em stand by, com o que somente devemos gastar energia no tempo certo. Portanto, precisamos de nos focar no “aqui e agora”.
Que hábitos saudáveis (alimentação, exercício físico, rotinas) devemos ter?
Tenho usado as redes sociais Facebook e Instagram (@para.cuidar.de.si) para difundir recomendações da Organização Mundial de Saúde, da Ordem dos Psicólogos Portugueses e de outras instituições credíveis, para lidar com o isolamento social durante a pandemia. Orientamos para que mantenham a comunicação, através das tecnologias disponíveis, com amigos e familiares. Contactem pessoas que possam ajudar relativamente aos sentimentos negativos, que são comuns no isolamento, como tristeza, raiva, solidão, ansiedade, confusão e medo. Esses sentimentos promovem reações no corpo que podem ser confundidos com sintomas de doenças. A sensação de sufocamento ou falta de ar podem ser sintomas da ansiedade e não uma dificuldade respiratória devido a uma infeção. Exercícios de respiração diafragmática são muito eficazes na gestão da ansiedade, reduzindo esse desconforto. Na medida do possível, mantenham um estilo de vida saudável, equilibrando a dieta alimentar, a atividade física em casa e o descanso. Caso percebam que, devido às emoções negativas, estão a recorrer à automedicação, à autolesão, ao abuso do álcool e de outras drogas, procurem ajuda profissional, seja no Serviço de Saúde Escolar, seja ligando para a linha SNS24. Evitem telejornais ou sites sensacionalistas, busquem informação sobre os factos em fontes credíveis. É importante estar bem informado, mas a busca incessante pelas informações sobre a pandemia pode promover um aumento da sensação de insegurança e medo. Tentem limitar o acesso a uma, duas ou três vezes por dia. Reorganizem a rotina, incluindo tempos para estudos, lazer, limpeza e organização do ambiente, alimentação, com horários estabelecidos.
Que palavra para os estudantes da ESEnfC, quanto aos hábitos de estudo e de trabalho (que agora são um pouco diferentes), quanto à motivação para prosseguirem com a vontade de aprender, quanto ao incómodo da redução de contacto e de convívio com os pares, quanto ao possível atraso na conclusão da licenciatura?
Se não vamos às aulas, facilmente entramos no modo férias! Entretanto, as aulas estão a acontecer online, com trabalhos a fazer, deadlines a cumprir. É importante fazer um novo cronograma de atividades semanal. Este cronograma precisa de ser realizável. Não estabeleça o horário para acordar às 7h00 se sabe que vai acordar às 10h00. Isso só gera frustração. A rotina, quando bem definida, é facilmente cumprida e gera sentimentos positivos de eficácia e realização, que aumentam a motivação. Os estudantes também podem recorrer ao apoio psicológico para esse fim. Como estamos restritos ao espaço da casa ou apartamento (quarto, em alguns casos), é aconselhável reorganizar o espaço, na medida do possível, para as diversas atividades. Por exemplo, abrir um espaço para a prática de exercícios físicos, definir o sítio para estudar e assistir a videoaulas, outro para o descanso e lazer, outro para dormir. Em espaços muito reduzidos, podem ser feitas adaptações no mesmo ambiente, como se estivéssemos a mudar cenários. Isto promove, mentalmente, uma sensação de uma maior amplitude, reduzindo o mal-estar pelo confinamento, além de ajudar a associar cada ambiente a uma atividade a fazer. Se ainda assim não conseguirem estudar, podemos avaliar juntos que fatores podem estar envolvidos na dificuldade e buscar estratégias para superá-los. As tecnologias permitem-nos fazer várias atividades juntos, mesmo a quilómetros de distância. Podem assistir a filmes, jogar, estudar, reunir vários amigos numa mesma videochamada. A aplicação Houseparty, por exemplo, possibilita conversas em streaming de vídeo com mais que quatro pessoas (limitação do Whatsapp) e ainda disponibiliza jogos e questionários interativos. Quanto ao atraso na licenciatura, a minha sugestão é “cooperem com o inevitável”. Para os enfermeiros, talvez os ditados que traduziriam melhor esta orientação seriam: “o que não tem remédio, remediado está” ou “o tempo é o melhor remédio”. Lembrem-se que vocês e outros milhares de estudantes estão na mesma situação. Confiem na capacidade de resiliência, de adaptação às circunstâncias e canalizem as energias para a realização dos objetivos a curto prazo.
Olhando para os funcionários (pessoal docente e não docente da ESEnfC), há os que estão em teletrabalho e há os que ficam – em menor número – a assegurar serviços nas instalações da instituição. Como fazer perceber que não foram preteridos, que o trabalho deles é muito respeitado e vital para o funcionamento da instituição e que, se tiverem os cuidados devidos (também requeridos aos que ficam em casa), não correm riscos acrescidos?
Nas redes sociais temos testemunhado o reconhecimento, agradecimento e solidariedade para com os vários profissionais que não podem adaptar sua atuação ao teletrabalho. É compreensível que os sentimentos de injustiça, vulnerabilidade, stresse e medo estejam presentes numa intensidade e frequência maior que o normal. Sabedores da necessidade e da importância do vosso trabalho, seria benéfico que, resguardando todos os cuidados com a proteção individual e coletiva, buscassem aceitar e gerir as emoções de forma equilibrada. Para todos os que continuam a trabalhar, mas que se sentem ansiosos, procurem focar a atenção no momento presente, na atividade que fazem, como fazem, no que acontece com o seu corpo, postura e respiração. Ao tomar consciência de que os músculos estão demasiado tensos, alonguem, relaxem, inspirem mais profunda e lentamente por alguns minutos. Continuem o que estão a fazer, mesmo que precisem diminuir o ritmo. Façam esse exercício com bastante frequência, para conseguirem melhor equilíbrio e assertividade no trabalho durante a crise. Alguns profissionais, quer na instituição, quer em casa, também têm de lidar com os filhos e cônjuges que também estão com as suas rotinas alteradas devido à pandemia. Aqui eu enfatizo o caso das mulheres, que ainda acumulam mais funções de cuidado com a casa e a família. Se possível, compartilhem tarefas e responsabilidades entre todos os membros da família. Estabeleçam prioridades e aceitem se não conseguirem dar conta de tudo. É uma situação temporária.
Que mensagem para os professores não perderem a habitual energia e o empenho nos processos de ensino-aprendizagem, agora modificados e a exigir alguma adaptação?
Além de todos os fatores stressantes decorrentes do isolamento social, a maioria dos professores está a ver-se, repentinamente, diante da “oportunidade” de aprender a lidar com as novas tecnologias de informação e comunicação para dar continuidade às aulas. O que posso dizer? Estão a entrar num território (virtual) no qual os estudantes são maiores conhecedores. Aproveitem! Há alunos que podem ser mais inibidos numa sala de aula e sentirem-se mais à vontade para participar em chats. Incentivem o diálogo e a participação online. Caso os professores não se sintam bem em dar videoaulas através de plataformas como o Zoom, Teams ou Fénix, podem buscar outros meios, com menos exposição, como o email, os trabalhos em grupo, que podem ser realizados e apresentados pelos alunos, com telas compartilhadas online. Na adaptação dos planeamentos de aulas e de avaliações, considerem o tempo de dedicação dos alunos à sua disciplina e às outras. Levem em conta que, além de cumprirem os compromissos universitários, eles precisarão de tempo para descanso, lazer, socialização, atividade física, preparação de alimentos, etc. É bom que o ensino seja desafiante, pois estimula o aluno a atingir um nível de compreensão e habilidade que ainda não domina completamente. Mas sobrecarregá-los com leituras intermináveis e excesso de trabalhos, só vai gerar frustração, ansiedade e desmotivação.
E para os órgãos de direção da Escola, teria algum conselho a dar? Por vezes, por mais bem-intencionadas e mais adequadas medidas que tome uma qualquer administração – para mais numa situação algo inesperada, de difícil gestão, e que mexe com o que de mais importante temos (a nossa saúde) –, ela será sempre alvo de críticas.
A meu ver, a direção seguiu as orientações nacionais de preparação e resposta à pandemia, tomando decisões acertadas, que visam o bem maior. Mais cedo ou mais tarde os estágios seriam interrompidos, as aulas passariam a ser ministradas à distância e boa parte dos trabalhadores teriam de adaptar-se ao teletrabalho. É melhor lidar com as críticas pelo cuidado do que pela negligência. Importa que não estejamos parados, sigamos em frente, mesmo que a passos lentos (talvez vacilantes, pela novidade da situação). Tudo isto é uma aprendizagem.
[2020-03-25]