Os alunos do 1º ano de licenciatura da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC) participam, amanhã (19 de setembro), numa iniciativa pouco usual num programa de acolhimento e integração de novos estudantes: um curso de “Primeira ajuda em saúde mental”.
Sobre este assunto, falámos com o professor Luís Loureiro, responsável não só pela atividade formativa, como também pelo programa de Primeira Ajuda em Saúde Mental em Portugal.
Luís Loureiro: «Na transição e ingresso no ensino superior, os jovens enfrentam um conjunto substancial de desafios».
Porquê a inclusão deste curso no programa de receção de novos estudantes de ensino superior?
O ingresso no ensino superior corresponde a um período complexo na vida dos jovens estudantes, pelas mudanças que implica nas suas vidas, sendo referenciado com regularidade como estando associado a maior vulnerabilidade e podendo, por isso, ter repercussões na sua saúde mental e bem-estar, ao ponto de comprometer o seu desenvolvimento pessoal e profissional.
De que mudanças fala?
Na transição e ingresso no ensino superior, os jovens enfrentam um conjunto substancial de desafios. Por um lado, e em grande parte dos casos, a deslocalização da área residência, que implica a separação da família e dos amigos e manifestamente o distanciamento da rede de suporte familiar e social. Por outro, a adaptação a este novo contexto/realidade (casa, cidade, instituição de ensino), que determina o estabelecimento de novas relações e vínculos interpessoais e sociais, com ênfase para a descoberta de novos amigos, dos professores e do ambiente e vivências académicas.
São momentos de alguma tensão?
Este período é também ele marcado por momentos de elevada pressão e stresse, seja a nível académico (avaliações e testes; sobrecarga académica, pressão para o sucesso, medo do insucesso; competição entre os pares, etc.), seja no âmbito clínico, especificamente no caso de estudantes na área da saúde (trabalho; medo de cometer erros; respostas negativas e gestão do sofrimento da pessoa; relação com outros profissionais), seja ainda no âmbito pessoal e social (problemas económicos; desequilíbrios entre casa/trabalho e escola/trabalho).
A relação entre stresse académico e o despoletar de níveis elevados de ansiedade nos estudantes de ensino superior (incluindo estudantes de enfermagem), e consequente desencadear de problemas de saúde mental mais sérios, tem sido alvo de diversos estudos, incluindo revisões ao longo da última década.
E o que referem esses estudos?
A evidência mostra que os problemas de saúde mental mais comuns no período prévio ao ingresso no ensino superior são: depressão, perturbações do comportamento alimentar, comportamentos autolesivos e perturbações obsessivo-compulsivas. Nos estudantes do ensino superior a maioria dos problemas relatados incluem: ansiedade, depressão e perturbações psicóticas, sendo o nível de distress (stresse negativo, que surge quando o organismo não sabe adaptar-se a uma nova situação) bastante elevado. No caso da depressão, as revisões sistemáticas efetuadas, assim como estudo primários, indicam valores de prevalência muito elevados, ao ponto de serem superiores aos da população em geral.
Concomitantemente, o ingresso no ensino superior é também ele um momento simbólico enraizado nos contextos socioculturais e pode corresponder à idealização dos pais relativamente ao futuro dos filhos. Estas expetativas, dos próprios e das famílias, de procura de uma profissão capaz de garantir realização, segurança e estabilidade no futuro, são é também um tempo de tensão, angústia e por vezes conflito.
Muitas vezes, o abandono precoce do ensino superior associa-se, quer à incapacidade de gerir o stresse académico, quer ainda à disparidade entre a escolha do curso (e futuro profissional) e a realidade e experiências vivenciadas no contexto do ensino e aprendizagem.
Com este curso, de que forma os novos estudantes estarão melhor preparados para os desafios que se avizinham? De que ferramentas passam a dispor?
O curso de Primeira Ajuda em Saúde Mental é uma ferramenta fundamental para usar no dia-a-dia, pois os estudantes são capacitados para a abordagem à pessoa – ao colega, ao amigo, ao familiar, etc. – que está a sofrer, ou mesmo numa crise relacionada com a sua saúde mental.
Podemos dizer que passam a utilizar a sua literacia em saúde mental em prol, quer da própria saúde, quer daqueles que os rodeiam. O curso não procura apenas formar/educar e sensibilizar para a saúde mental, mas ensina os jovens estudantes a atuar de modo adequado e ajustado em termos de apoio/ajuda a prestar a alguém que necessita, promovendo e facilitando a procura de ajuda em saúde mental. Simultaneamente, procura reduzir o estigma e discriminação sociais associados a estes problemas e que muitas vezes são responsáveis pelo agravar das situações de saúde.
[2018-09-18]